Mais uma história de África para um dia contar aos netos

Bom, mais de um ano e meio em África e pouco mais tinha para contar do que uma carrinha atascada no rio e um pneu furado. Não era justo! África andava a ser simpática comigo...
Até sábado passado. Saí de Luanda alegre e contente, na companhia de um colega, para fazer a interminável viagem ate Menongue. Como o meu jipinho não é menino para estas aventuras, o estaleiro cedeu-me uma carrinha. Quando peguei nela, notei que tinha uma vibração qualquer pouco saudável mas como tinha acabado de passar numa valente poça de lama, não paniquei. E pronto, aí viemos nós. A vibração parava por volta dos 100 ou 120 km/h por isso tudo bem. Até que, depois do Dondo, ouvimos um ruído metálico poruco saudável. Parámos imediatamente nessa subida, ao lado de uma aldeia. Os pneus estavam bem mas o veio de transmissão tinha partido atrás e arrastava pelo chão. Carrinha nem para trás nem para a frente. 11:30 da manhã. Um calor jeitoso.
- Chefe, onde há rede de telemóvel?
- Uns 4,5 km, no Lussusso. As mota leva lá.
(Olhar cúmplice entre mim e o meu colega: entre caminhar neste calor e morrer de desidratação ou morrer num acidente de mota com estes loucos, venha a desidratação!!!)
- Ná, não tem maka. A gente caminha.
Carro fechado e uma prece breve "Por favor que eles não abram a carrinha e roubem tudo o que está lá dentro".
Os 4,6 km eram mais uns 6 ou 7. Uma humidade e um calor que tornavam as subidas do caminho muito  más. Mas a malta é dura, não panica e aqui parados é que não resolvemos nada.
Caminhámos até ao Lussussu. A última meia hora foi dura, confesso.
Quando lá chegámos, vimos um polícia num daqueles "restaurantes" de colmo na beira da estrada.
- Bom dia Sr. Agente. Sabe onde há um telefone como rede?
- Tá a ver ali as mangueira? Ali tem. Leva este cartão.
- Obrigada Sr. Agente. Quanto lhe devo do cartão?
- São só 200 AKZ mas num tem maka. Não é preciso pagar.
(Agora, quem me conhece, que me imagine com aquela cara de espanto profundo.... aquele espanto de quem já viu muito na vida e achava que já não se conseguia surpreender....)
Chegámos ao cafe.
- Mãe, podemos ligar?
- Ya, claro. Usa só este telefone que é melhor.
Telefone satélite em funcionamento. A estratégica estava delineada: tínhamos de ligar para o chefe dos mecânicos. Como não sabíamos quanto tempo durava o cartão, tínhamos de ser sucintos.
-Tou Costa? É a MauFeitio. Tens de organizar uma operação de resgaste. O veio de transmissão partiu.
- F*****. Estão bem?
- Está tudo bem. Estamos depois do Dondo, a uns 250 km de Viana. Liga para Menongue a dizer que vamos faltar aos próximos check-point. Eles que nos reservem um quarto no Huambo.
- Ok, 15 minutos. Já te ligo.
30 segundos depois Menongue ligou.
- Como estão. Tudo em cima. Faz a reserva do hotel.
- Ok, já vos ligo.
O mecânico ligou passados 10 minutos.
- Vão sair daqui 2 mecânicos ao teu encontro. Eles levam outra carrinha para tu seguires viagem. Eles vão tirar o veio e voltam para trás com as 4 ligadas e a tracção da frente a funcionar. Mas espera mais 5 minutos. Ligo quando sairem porta fora.
Menongue de novo.
- 2 quartos de hotel reservados.
- Ok, ligamos quando tivermos rede.
Pronto, operação "Salvar a MauFeitio" em curso. Agora era esperar. Já agora, que tal almoçar ali no tasco de colmo? Adrenalina acalmada com 2 Eka geladas e um almoço magnífico de espetadas de moelas, salsichas de churrasco e funge de milho com molho de um estufado óptimo de um bicho estranho. Há muito tempo que um almoço não me sabia tão bem!!! E a cara de felicidade da dona do tasco:
- Não é normal ver brancos aqui que gostam de funge.
- Este funge está óptimo!
E juro que não estava a mentir. Estava mesmo bom.
Nesta altura já ríamos à gargalhada!! As Ekas continuaram a vir.
Regressámos para a carrinha (desta vez à boleia numa caixa aberta, sentados em cima dos sacos de carvão, com as batatas, as cebolas, tomates e abóboras por companhia). A tarde foi passada na aldeia, sentados numas cadeiras à sombra de uma árvore na companhia de uma família que veio à aldeia para o óbito da mãe. Falámos, brincámos com os putos.
Por volta das seis da tarde chegaram os mecânicos. O ar de felicidade quando nos viram dizia tudo! "Estão inteiros!!!. Meia hora de trabalho mais tarde, o veio estava retirado e a carrinha pronta a andar. Fomos beber mais umas Eka para celebrar. Eles voltaram para Luanda. Nós seguimos para o Huambo.
Sãos e salvos!!

Comentários

MJ disse…
Tudo está bem quando acaba bem!
Que aventura mulher :)
SofiAlgarvia disse…
OjMaufeitio!
Tu tem sorte, branca!
:)
Tobias disse…
:) é bom quando somos surpreendidos pela positiva. Guarda como um tesouro!
Beijos
M disse…
tudo está bem qdo acaba bem:) essas Ekas devem ter sabido pela vida!
tasjaber disse…
Quer dizer, a carrinha tinha tracção às quatro mas sempre foi mais divertido seguir a pé ;)
Sandra Coelho disse…
tasjaber, o carro não andava! não achas que é pedir muito dos meus não existenets conhecimentos de mecãnica saber que aquilo andava se ligasse as 4? seja como for, estava um ferro a arrastar, não ia tirar o carro dali :)
tasjaber disse…
Para a próxima, andas com um arame,um alicate, atilhos rápidos (aqueles de prástico) no carro e um canivete suiço na bolsa. Consegues resolver 50% dos problemas que possam surgir. Se tiveres por companhia o Macgiver, só precisas de pastilha elástica e uma mini-saia e um cinto, hehehe.
No teu caso, apenas precisavas de segurar o veio com um arame para não ir a arrastar e lá seguias devagarinho ao sabor do ar-condicionado.
Isso que te aconteceu, já me aconteceu a mim no meu velho Land Rover, e olha que não segui a pé.
Seja como for, ainda bem que não te aconteceu nada de mal!