Irritações

Já descobri o que mais me irrita em Angola: as irritações dos portugueses.
Angola não é fácil: o trânsito pode ser um inferno, as estradas estão cheias de buracos que nos fazem saltar constantemente, não há os nossos iogurtes favoritos, as coisas são caras, anoitece cedo, as coisas não avançam, o cimento não presta e o betão seca nas betoneiras antes de chegar à obra, as coisas não acontecem ao ritmo que queremos e o avião pode não descolar, aparece gente de todo o lado quando se vai na estrada e nunca sabemos quando há um assalto ou um polícia a querer gasosa. Não acontece sempre tudo mas pode acontecer.
E dos que vêm para cá, poucos são voluntários. Vêm porque precisam do dinheiro, porque não arranjavam outro emprego, vêm na ilusão de uma vida de cerveja e miúdas, vêm a fugir de alguma coisa. Mas não queriam vir. Não querem estar aqui. E isso nota-se e vai-se agravando com o tempo. Com o tempo ficam amargos, irritados, até mal educados. Falam mal dos angolanos e de Angola como se tivessem o direito. Em muitos, a rispidez do tom que que falam de Angola é um indicativo claro de à quanto tempo cá estão.
Felizmente outros evoluem noutro sentido. Tenho colegas que me falam com os olhos a brilhar de uns tascos na Barra do Dande onde se come um peixe fabuloso, outros que conduzem como uns candongueiros sem darem por isso e sem se irritarem com o trânsito, outros testam-me levando-me pelo meio do musseque para escapar ao trânsito. Com estes eu gosto de estar mas quando me deparo com os primeiros fico irritada com a irritação deles, fico envergonhada com as atitudes e só me apetece metê-los a todos no primeiro avião. Ñão querem estar aqui, pirem-se! Estão infelizes, azar, aguentem! Mas parem de tentar infectar todos os outros com o vosso mau humor.
Eu sou diferente dos outros? Não, claro que me irrito com algumas coisas. E não acho piada nenhuma às dores nas costas quando saio do carro nem às travadelas duras para não matar ninguém. Mas eu aceitei vir. Ninguém me apontou uma pistola à cabeça. Eu escolhi. E por isso quero ser feliz, quero aprender a lidar, quero aproveitar o melhor e não me passar com o resto. Não estou para me entregar à amargura.

Comentários

Anónimo disse…
Esta é a MauFeitio que eu conheço!
M disse…
Era eu.
Pode ser que os primeiros, se lerem isto, se dêem conta de que tb eles podem fazer a tua escolha. Ninguém tem uma vida perfeita, mas cada um de nós tem a opção individual de viver o melhor possível nas condições presentes... irritações, sim, mas mau humor constante, não pf!
Sandra Coelho disse…
Pois M, mas viver pela positiva dá mais trabalho! É menos glomoroso quando chegas a Portugal porque tens menos de que dizer mal.
E também demorei um bocado a perceber tudo isto e o porquê das irritações. E sim, ser feliz é uma escolha!
Um abraço querida M!
Marta Mourão disse…
Tem piada o nome do post ser "irritações" e o nome do blog "não me irritem" :))

Eu senti o mesmo que tu. Sabes que a maioria vai mesmo em busca de uma vida melhor. Porque se é mais bem pago e muitas vezes há sacrifícios associados como por exemplo deixar mulher e filhos em Portugal. Acho que o segredo é mesmo encarar tudo de forma super positiva. Mas nem sempre é fácil... especialmente quando um dia corre mal.
Sandra Coelho disse…
Não Marta, nem sempre é fácil. E eu sei que tenho muito mais sorte que a maioria das pessoas: tenho cá amigos a trabalhar, tenho amigos angolanos. Não tenho que descobrir tudo sozinha porque já alguém trilhou caminho por mim.
E se calhar este post nem é só para Angola... sempre me irritaram os irritados.
"Não me irritem" acho que é uma espécie de filosofia de vida para mim. Algo que digo com uma entoação especial quando acho que a parvalheira se instala e se estão a preparar para me tirar do sério.
É mesmo assim.Completamente de acordo. Que graça tem regressar sem nada de que dizer mal? Lá se vai o glamour, não é? Viva pela positiva. Em frente. Essas tais irritações dos portugueses não passam de puro snobismo pacóvio. E, olhe, na Barra do Dande há mesmo peixe fabuloso!
Um abraço
Patinha Feia disse…
Oi miuda!!!
Este teu post faz pensar!
Mas se repararares, o mesmo se passa por cá, na terrinha... A generalidade das pessoas não procura ser feliz - acomodam-se e depois criticam tudo o que esta à sua volta porque a vida não corre como queriam. Mas esquecem-se q não fazem nada por isso... Infelizmente criou-se uma "cultura" de dizer mal de tudo! Assim desculpam todos os seus erros/defeitos apontando a culpa nos outros... e aproveitam para desculpar muita coisa... falta de educação, falta de cultura, falta de objectivos "individuais" de vida, falta de convivio saudavel.
Mas o que importa é estarmos atentos e não cairmos na mesma asneira! Como estás a fazer que é aproveitar ao máximo o que Africa tem de bom.
Beijos grandes!!!
É bom ter noticias tuas!!!
Sandra Coelho disse…
Carlos, prometo que depois mostro fotos do belo do peixe só para fazer água no boca!
Patinha Feia, sim, é verdade que o queixume não é só aqui. Mas aqui os culpados são mais fáceis: têm outra cor, comem funge, não são tão submisssos quanto estes neocolonialistas gostariam....
pin girl disse…
Só tenho uma coisa a dizer: APOIADO!!!
:D