Mundos em expansão

Quem acompanhou o processo, sabe que quando aceitei vir para a Angola, passei horas e horas com lágrimas amargas a cair-me pela cara. Chorei pelo que ia deixar para trás, pelas pessoas que não podia apoiar, pela casa nova de que não ia desfrutar, pelos amigos que não iam estar lá. A minha mala era uma gigante caixa de primeiros socorros que tentava responder a resmas de medos que me assaltavam. Uns racionais, outros nem por isso. Caraças, eu ia mudar-me a sério para outra cidade. Tinha o direito de me assustar.
Agora a coisa já não é assim. Claro que há coisas que me custam e sinto-me mal quando sei que o meu pai está no hospitalizado e eu a umas 14 ou 16 horas de viagem. Mas a verdade é que o meu mundo é um universo em expansão e isso é fantástico!!!
Eu explico: Imaginem a vossa vida como um ponto. Depois dá-se o vosso Big Bang pessoal e a vida começa a expandir, a aumentar. Cada um está na circunferência exterior ou algures dentro do círculo. Nunca conseguimos conhecer todo o nosso universo porque é feito de tudo o que está ao nosso alcance e é difícil conhecê-lo todo. É claro que se o nosso universo não expandir muito, acabamos por conhecê-lo e aos universos ao lado. Mas se ele continuar a expandir, o leque de possibilidades continua a crescer e continua a cruzar-se com outros universos.
É isso mesmo que acontece agora. Angola permite ao meu universo crescer. Permite viagens em África, nossos sabores e novos cheiros, aprendizagens de como reagir em situações continuamente novas. E cruzamento constante com outros universos e outras pessoas. Não que todos os que cá estão sejam assim. Há muita gente com vidas pequeninas, outras que chegam cá e o tamanho do universo estagna rapidamente. Mas existem outros que querem saber, que estão dispostos a ouvir. Quando falei sobre os amigos há uns tempos atrás, a myself disse que era porque estamos todos deslocados, logo mais disponíveis. Acho que não, acho que há muita gente com o universo em expansão e por isso mesmo estão disponíveis.
Sinto que a passo que dou, cada vez que não tenho medo e vou e conheço e faço e luto e ganho ou perco, o meu universo avança, as possibilidades aumentam.
Vejam a viagem a Moçambique. Fui com dois colegas se trabalho que não conheço. Um trabalha há tanto tempo quanto eu aqui mas devemos ter trocado uns 10 bons-dias. O nosso trabalho não se cruza, os nossos passos durante o dia também não. O outro conheci cá. Falámos 5 minutos sobre legislação angolana que afecta o que ele faz e 10 minutos quando soube que ele ia a Moçambique e lhe perguntei se me podia juntar a eles. Tirando isso, trocámos uns mails sobre hotéis e aluguer de carros. Podiam ter-me saído na rifa dois psicopatas! Mas o que eu vi neles foram os tais universos em expansão. Gente que queria ir ver e conhecer e de alguma forma eles reconheceram isso também. Se há um ano atrás isto tivesse acontecido, provavelmente nem tinha pensado em ir. Mas fui. E acabei de passar um dfs extraordinário! Uma viagem que não vou esquecer. Porque me aproximei de outros universos, vi a Maputo de 1970, percebi como teria sido a minha infância no Xai Xai, percebi que a minha vida seguiu um rumo mas podia ter seguido outro diferente. O meu universo alargou-se mais um bocado.
E o que anda a mudar em mim é isto: preciso cada vez mais de um universo maior, preciso de tocar outros universos. Não me importa se não voltar a ter conversas tão interessantes com estes colegas. Aconteceram este fim-de-semana. Estimo-as. Não sei se nos tornaremos amigos ou voltamos aos bons-dias. E não me interessa. Estou a aprender que a vida é de momentos, não de rotinas. Uma conversa agora: ponto ganho. Se esse universo ficar por perto, melhor. Se não ficar, ficou aquela conversa. Estou a perder o medo de investir aqueles 10 minutos. Há uns anos ou meses pensaria: "Para que diabo estou a falar com esta pessoa e a conhecê-la se nunca mais a vou ver?". Isso é o que está a mudar. Se o nosso instinto diz que aquilo vale a pena, bora lá aproveitar, conhecer, viver, provar! O que está a mudar em mim é que, mesmo que um dia a minha vida passe a ser feita de rotinas, até nessas rotinas eu vou arranjar maneira de o meu universo crescer.

Comentários

myself disse…
Obrigada S. por este belo texto. Soube-me tão bem lê-lo!
Só para esclarecer, tb acho que há muita gente com o universo em expansão, aliás todos nós, mas por medo, acomodação ou outra coisa qualquer, bloqueamos essa tendência pois acaba por ser mais confortável e seguro. Quando fora do nosso ninho acho que ficamos mais disponíveis e predispostos para outros universos entrarem nos nosso universo e crescermos juntos. Há universos que cruzam o nosso, mesmo que seja por instantes, que se tornam inesquecíveis e nos fazem crescer.
Sandra Coelho disse…
Obrigada Myself! Isto andou na minha cabeça desde ontem. Não sabia como explicar mas acho que consegui.
Eu até acho mais: há pessoas que não precisam de universos em expansão. Não sabem que é assim. Não os querem. Não precisam deles. Até podem ser excelentes pessoas. Mas ficam ali. Eu, agora, prefiro os outros. E sim, tens razão quanto ao acomodar. Mas caraças, mesmo estando em casa, tem de valer a pena o esforço! Não acredito que a malta interessante que não se conhece esteja toda em Angola por estes dias ;-)
Sílvia Silva disse…
olá sandra! realmente o poema do pablo neruda vem mesmo a calhar para ti. De facto não sei de que livro é. Tenho um livro dele (os versos do capitão) mas não tem este. pablo neruda é um dos meus poetas preferidos, por isso este poema sempre me acompanhou. Boa sorte na tua expansão de universo!
Anónimo disse…
Por si acaso quieras conocer a Neruda y su obra, aquí lo tienes...

http://www.neruda.uchile.cl/obra/obrahondero.html

Saludos a tu universo!
Marta Mourão disse…
Não posso deixar de concordar com quem te disse que quando as pessoas estão longe do seu poiso "natural", ficam mais disponíveis para travar amizade/conhecimento com outras pessoas.
Provavelmente ajuda a abrir os olhos e a expandir o seu universo como dizes. Mesmo os mais introvertidos.
Sandra Coelho disse…
Anónimo, muchas gracias!Normalmente no soy una persona de poesia pero parece que Neruda me va a encantar!

Marta, sim. Estar fora provavelmente ajuda. E no meu caso, não é só estar fora do país. Também estou com gente diferente. Menos engenheiros na minha vida ou engenheiros de outras coisas. Consegui romper o ram-ram.

Sílvia, mil obrigadas pelo poema. A imprimir e a por lá em casa para ler até decorar!
Patinha Feia disse…
Oi miuda!!! Estou muito contente por teres realizado o teu sonho de conhecer Moçambique e regressares com a "alma aberta"!!! :)
Temos que aproveitar todos os momentos bons da vida, pois como dizes o resto é rotina. Beijos grandes e continua partilhando conosco a Africa que estás a descobrir! Dá para sonhar um pouquinho tb... :)
SofiAlgarvia disse…
A nossa vida é composta por todos os momentos que nos marcam, sejam eles longos ou curtos, grandes ou menores, assim como nós crescemos com todos os que se cruzam na nossa vida, com maior ou menor importância (como o teu antigo chefe ou estes novos colegas). Tal como o patchwork, também nós somos feitos de retalhos!
E, tal como no patchwork, cada um tem a sua função, uns mais decorativos, outros peças base...
É bom conhecer e aproveitar todos!
Gostei muito do teu texto.
:)
M disse…
Que bela analogia: um big bang pessoal e um universo em expansão; não podia concordar mais contigo. Estes últimos posts são uma inspiração!
M disse…
Já agora, qual é o poema de Neruda de que falam por aqui?
Sandra Coelho disse…
M, o poema está aqui; http://raparigascomonos.blogspot.com/2010/02/reaprender-andar-de-bicicleta-how-to.html
beijos!
M disse…
obrigada! ...já conhecia.